[Opinião] Ver Quadrinhos, Enxergar Política

 



Na terça-feira, 8 de junho, comecei a colaborar para o Portal Vermelho, um portal de notícias vinculado aos partidos de esquerda como o PCdoB.

Colaboro, atendendo ao convite do Prof. Dr. Thiago Modenesi, com um texto inicial sobre as aproximações dos quadrinhos com a questão da percepção política.

Veja a seguir, ou acesse direto clicando aqui.

Está no Gibi / Portal Vermelho

8 de junho de 2021

Famoso Mangá de propaganda pró-guerra que retrata os japoneses como cães e os chineses como porcos durante as guerras sino-japonesas. “Norakuro” de Suiho Tagawa, 1931. Fonte: https://i.pinimg.com/originals/81/fd/c0/81fdc0728204529998cd9802ec251416.jpg

 

Ver Quadrinhos, Enxergar Política

Por Amaro X. Braga Jr

Você sabia que as histórias em quadrinhos são objetos de entretenimento capazes de nos levar a um instigante mundo da percepção política do local que a produziu?! O que devemos olhar quando lemos uma HQ ou um Gibi, como historicamente este objeto artístico-midiático foi chamado no Brasil? 

Os apoiadores do projeto “Escola Sem Partido” defendem que o espaço escolar (e seus derivados) devem ser livres de qualquer esquema de orientação e ideologia política. Para quem entende de educação, essa dimensão de querer afastar o espaço escolar do conhecimento político parece algo completamente sem noção e incabível. A reclamação desses defensores é de que os profissionais da Escola defendem suas bandeiras e posições políticas entre os escolares, doutrinando-os e criando um “exército pró-esquerda” que impede o exercício salutar da política. Independente dessa historinha ser ou não real, combater o debate político nas escolas só corrobora para fomentar a incapacidade dos escolares de terem consciência política e exercerem sua cidadania. 

Por isso, incautos defensores desse projeto vêm caçando e cerceando o debate sobre a política entre os estudantes, principalmente quando os docentes se dirigem às questões de direitos humanos ou de críticas aos políticos atuais. O que lhes escapa o entendimento é a capacidade de perceber que a Política não pode ser segregada do espaço escolar. A política está em tudo que fazemos. 

Afinal, desde de Aristóteles, sabemos que o Ser Humano é um Ser Político. E não apenas ele, mas suas obras e seus objetos também o são. Entre os gregos, a literatura de Homero já tecia suas críticas contra os demagogos e até as sentenças dos Reis eram pauta de debate arguitivo nos textos de Hesíodo. 

Não importa qual o regime ou governo que a Cidade e o Estado tenham. Seus indivíduos sofrem o impacto da escolha de seus gestores e, como cidadãos, precisam atuar na esfera da Polis (a cidade). Surgem assim percepções sobre os limites da Opinião Pública e as reflexões morais que a gestão da cidade impõe aos cidadãos. As ideias políticas circulam em todos os objetos da cultura. Não apenas aqueles que visam informar, mas também todos os que se ambientam na arte e no entretenimento. 

Teatro, literatura, cinema, música e até mesmo a arquitetura possuem discursos políticos e se moldam ou se modificam devido aos valores de cada regime e sistema político. Não seria diferente com as histórias em quadrinhos. A chamada 9ª. arte pelos Europeus ou de Arte Sequencial pelos estadunidenses, e, popularmente, pelos brasileiros, de Gibi, tem uma ampla dimensão de poder discursar sobre a realidade de seus universos criativos e temas que compõem suas narrativas. Esse discurso, em dada medida, é político. Principalmente em seu sentido lato sensu. 

Há quadrinhos que versam sobre personagens históricos, fortemente associados ao debate político, como os quadrinhos da Editora Quadriculando sobre personalidades associadas ao Comunismo (veja aqui e aqui). Ou que apresentam versões quadrinizadas adaptadas de livros sobre esses mesmos temas. Como ocorre nas dezenas de edições que já foram produzidas de “O Capital em Quadrinhos”, por exemplo. 

O que escapa do leitor e da leitora comum, muitas vezes, é que um simples quadrinhos que não se pretende ser político pode até versar  muito mais sobre a política do que se espera. De que forma? Desde os temas de suas histórias que podem ser direcionados para a implementação de um ambiente que favoreça ou não um determinado sistema de política pública, como ocorreu no Japão, durante o Período Showa (1926–1989), cujo Governo  incentivava a produção de mangás pró-guerra incentivando os jovens a apoiar as guerras Sino-Japonesas. Ou no Brasil, com a publicação de biografias de Santos da Igreja Católica e adaptações da Literatura Nacional pela editora EBAL para escapar das críticas circulantes que tratavam os quadrinhos como objetos deseducadores. 

Aparecem na representação de sistemas políticos, formas de governo e do funcionamento de órgãos e sistemas de gestão do Estado nas sociedades que são representadas. As andanças das personagens e suas localizações transterritoriais nos ajudam a perceber um pouco como os países (e as culturas) eram vistos pelos produtores dos quadrinhos na época em que fizeram o material. Como a mania que os super-heróis estadunidenses têm de não respeitarem fronteiras territoriais e a autonomia dos Estados-Nação ao redor do mundo, principalmente, quando estão em suas missões de salvaguarda da humanidade. Qualquer semelhança com a política externa norte-americana não é mera coincidência.    

Outras vezes, o discurso é um pouco mais discreto. Se localiza nas entrelinhas. Na maneira de desenhar os personagens e até mesmo na composição desses personagens. São famosas as estreotipias de representaçaõ dos negros e da inivisibildiade feminina em diversos quadrinhos europeus que atestam como as ideias políticas ciruclavam no imaginários de seus autores, signatários de bases políticas com ideias semelhantes. 

Dessa forma, fatores associados com os direitos humanos, práticas armamentistas, a noção de lei, legislação e aspectos caros à ciência política que distingue as ações dos partidos como princípios de igualdade versus igualitarismo (ou Equidade versus Justiça), entre diversos outros, podem ser percebidos nos acontecimentos de uma história desenhada. 

Entre os balões e o nanquim, a voz política emerge. 

Cabe a nós leitores se preparar para ouvir seus dizeres e discernir sobre seu discurso. 

Não basta ver os quadrinhos, é preciso enxergar sua voz política. 

 

Prof. Dr. Amaro X. Braga Jr

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

 

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