[Artigo] Contribuição na revista bilíngue Giby

 


Colaborei com a primeira edição da revista bilíngue Giby - Revista Digital de Quadrinhos. Integrei a equipe editorial que analisou e selecionou as colaborações das HQs e textos que integraram a primeira edição da revista. 

O material conta com a colaboração de 20 países.



Não fiz uma HQ mais um texto sobre ensino de sociologia e histórias em quadrinhos: Potencialidades sociológicas de los cómics . 


O projeto foi uma iniciativa da Editora Quadriculando, gerenciada pelo Prof. Dr. Thiago Modenesi que vem sem especializando na publicação de quadrinhos da América Latina. 



Veja a versão em português aqui:

Potencialidades Sociológicas dos Quadrinhos

Prof. Dr. Amaro X. Braga Jr


Uma questão que ainda hoje motiva meus estudos no campo da sociologia diz respeito
ao uso potencial desta forma de expressão artística e midiática para a discussão e
anamnese de aspectos fortemente sociais, e por isso, claramente sociológicos.
O que é chamado de história em quadrinhos é um produto altamente impregnável com
valores, ideias políticas, visões de mundo e uma série interminável de representações
sobre o social. Os desenhistas, roteiristas e demais agentes envolvidos na produção
destes materiais, incorporam, conscientes ou não, situações, caracterizações e definições
sobre os mais variados elementos da sociedade em que vivem com a intenção de
atribuir-lhes um grau único de realidade ou de representação da realidade. Ou,
simplesmente, não possuem um repertório outro que os possibilite criar ou inovar além
daquilo que possa ser reconhecido culturalmente.
Além de fator sociológico, intrínseco aos quadrinhos – que vem motivando minhas
pesquisas – destaco este mesmo veículo a partir de suas potencialidades enquanto
recurso didático para as aulas de sociologia. Com eles é possível vivificar uma série de
situações, descritas na teoria e pelos pesquisadores de forma a levar os alunos a uma
compreensão salutar dos conteúdos das aulas.
Muitas destas exemplificações são decorrentes das visões de mundo dos produtores em
determinado período e continuaram a ser reproduzidas e reconduzidas ao social pela
constante presença destes materiais no imaginário de seus leitores e pelo consumo de
seus fãs. Afinal, um dos aspectos que mais se destacam nas HQs – mais conhecidas do
público – é a serialização interminável de seus enredos com os mesmos personagens – e
me refiro diretamente aos super-heróis, principalmente os estadunidenses!
Mas além da HQ mainstream, nos deparamos com as produções regionais e locais que
são verdadeiros fotogramas desenhados de como o imaginário político e sociocultural
da localidade. Por isso, tanto quanto avaliar quadrinhos comerciais, é necessário – a
partir de uma sociologia das histórias em quadrinhos – compreender o papel das
publicações isoladas feitas pelos nativos e desenvolver estudos comparativos que como
estas ações se relacionam - ou não, com o cenário global que afeta a mesma região
produtora.
Faço a partir de agora uma breve imersão em temas dispersos do ensino de sociologia,
tanto voltado para o ensino médio, mas também dos anos iniciais de nível superior nas
diversas áreas de formação ao qual a disciplina recai obrigatória. Resultados estes, em
sua maioria, decorrentes de minhas experiências docentes.
Debates sobre as questões sobre sexualidade, identidades sexuais e as digressões que
separaram as definições de gênero da sexualidade, são facilmente encontradas nos
mangás japoneses publicados no Brasil que – não fazem confusão entre uma coisa e
outra. E, se avaliado historicamente, é possível traçar o perfil da evolução do feminismo
ou do debate do papel da mulher, apenas acompanhando a evolução das personagens
femininas nos quadrinhos de super-heróis – de simples e fracas mocinhas que davam
trabalhos aos heróis a destemidas e independentes super-heroínas protagonistas de surras que deixariam qualquer musculoso amedrontado e sem perder os saltos altos, cabelos bem escovados e a maquiagem.
As representações dos modelos familiares também se destacam nestas produções,
mostrando a visão que relacionava delinquentes juvenis e futuros vilões a criação em
lares cujas famílias eram recriadas, monoparentais ou ausentes, no caso dos órfãos. e os
heróis, ao contrário, vinculados a famílias nucleares.
Creio que nenhum dos atuais heróis estadunidenses dos comics deixa isso mais claro
que o Batman e a teoria do conflito psicológico ocasionado pela personificação da
morte dos pais. Inclusive, discutir as práticas desviantes e a criminalidade através
destes mesmos enredos. Já notaram como todos os vilões são doentes, perturbados
mentalmente, portadores de estigmas físicas e – em grande maioria – imigrantes?
Nenhum quadrinho reproduz melhor os estereótipos de discriminação que os comics
norte-americanos. Talvez, só as bandé dessinés francesas. Afinal, Tintin é famoso não
só pelas aventuras ao redor do mundo, mas por reproduzir a visão do colonialismo
eurocêntrico acerca dos povos “primitivos” que circundam as aventuras deste jovem
jornalistas e pela misoginia flagrante atribuídas aos personagens femininos que se
ausentam completamente dos enredos e quando aparecem estão sempre associados a
situações negativas. E o mais importante é perceber como essas publicações terminam
por incentivar a mente e a mão dos jovens desenhistas e roteiristas na concepção de suas
próprias histórias, criando assim, um circuito contínuo de influência e reprodução de
valores que afeta territórios e gerações de maneira transterritorial e transgeracional.
As constantes lutas dos X-Men contra a perseguição aos mutantes, também é um fator
metafórico para se discutir o papel do estado na regulação e controle dos grupos
minoritários e que na opinião pública são malvistos, afinal, as agências de controle
mutante sempre aparecem estatizadas nos quadrinhos, até na figura de um governo
independente como foi Genosha.
Existem vários pontos a serem pontuados: a concepção étnica e as características
fenotípicas dos integrantes de um grupo como também dos coadjuvantes e do cenário
humano que ladeia o enredo das histórias; O contexto de ação de interação de suas
ações no espaço citadino e no cotidiano dos indivíduos; a ponderação do gênero do
material em comparação com os gêneros que prevalecem na região de
produção/circulação do material; o discurso direto ou indireto apresentado sobre os
temas mais sensíveis de debate sociológico, tais como: trabalho, gênero, sexualidade,
religião, etnicidade, identidade, política, família, etc.
Essencialmente, mostrar como estas páginas de papel e nanquim podem nos ajudar a
entender os simulacros da vida de pessoas de carne e sangue.


BRAGA JR, A. X. Potencialidades Sociológicas dos Quadrinhos. Giby. n.1, jul./ago./sept.. Jaboatão dos Guararapes: Quadriculando, 2021, p. 126-128. 

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