Reproduzo, logo abaixo, entrevista concedida ao blog "Mais de Oito Mil" da Mara Mariachi. A versão original com acesso aos comentários ácidos (uiiiii) pode ser acessado aqui.
Mara-
Vamos começar do começo, como sempre. Você estudou Ciências Sociais
porque queria estudar quadrinhos ou foi algo que surgiu durante a
graduação?
Amaro - Comecei
a estudar Quadrinhos ainda no ensino médio. Fazia parte de um grupo de
colecionadores de HQ que criou uma ONG e realizava exposições e
palestras na cidade sobre HQ´s. Isso pesou na hora de escolher o curso
universitário. Minhas opções eram Jornalismo e Ciências Sociais. Como eu
me interessava também por Religião e Grupos Étnicos, escolhi Ciências
Sociais [e a concorrência menor ajudava (^_^)]. Na verdade, a inserção
das temáticas sobre Quadrinhos no curso de ciências sociais é ausente.
Tive muito trabalho durante a graduação para mostrar a relevância de
estudar os quadrinhos sobre um viés socio-antropológico.
Mara-
Tanto em seu mestrado quanto no doutorado você sempre esteve nesse meio
dos quadrinhos. Afinal, o Brasil abre espaço para se estudar HQs? E
esse espaço está presente tanto em universidades pagas quanto públicas
ou em apenas uma?
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Amaro- Em
termos. A Academia pode direcionar e produzir quaisquer tipos de
investigação, conforme os interesses dos alunos e dos professores. O que
ocorre é a existência de pesquisas mais fáceis e mais difíceis.
Estudar quadrinhos na academia ainda é um pouco difícil, dependendo da
sua área. Por exemplo: em Comunicação Social é muito comum e mais fácil
fazer a pesquisa. Têm mais professores envolvidos. Em outras áreas, pode
ficar mais complicado achar um professor que oriente. Nas instituições
privadas é mais fácil desenvolver uma pesquisa sobre quadrinhos, pois o
aluno é mais independente na hora de escolher seu tema e a instituição é
obrigada a fornecer um orientador. Já na pública, é costume, os alunos
se integrarem às pesquisas dos professores, e estes, costumam recusar
muitos tipos de trabalho. Mas tudo depende do aluno. Se ele insistir e
tiver fôlego, ele consegue defender seu trabalho e realizar sua
pesquisa. Foi assim comigo.
Mara-
O mundo acadêmico é muito nebuloso ainda para as pessoas,
principalmente as que ainda se encontram no ensino médio. Como sabemos
que, tirando a Evelyn Torrence, ninguém vive de luz, dá pra viver sendo
um estudioso? Você aconselha alguém a seguir a carreira ou a considera
um guilty pleasure?
Amaro- A
área acadêmica exige muita dedicação e esforço. O Tempo de formação é
muito mais longo do que a atuação em outras áreas, mas é recompensador.
Apesar do tempo necessário para se adequar (é preciso fazer mestrado,
doutorado, com cerca de + 6 anos, depois de 4 anos uma graduação), os
salários são bons e convidativos. O segredo para qualquer
profissionalização é dedicação e produção. Eu procurei fazer aquilo que
realmente me deixava feliz, porque “trabalho” é trabalhoso e causa
desgaste e perda de energia – todo ele. Lembrem-se das aulas de
física!(^_^). Quando você faz algo que gosta, ajuda a agüentar os
trancos e barrancos. E têm coisa melhor do que ter uma desculpa aceitável
pra continuar comprando quadrinhos e ser Cosplay depois dos trinta
anos (?!). Quando olham feio, digo logo: “Tô fazendo pesquisa. É Meu
trabalho!” (^_^)kkkkkk
Mara- Sua
dissertação de mestrado virou este livro que você lança agora, o
“Desvendando o Mangá Nacional”. Pelo título, você considera que o
público brasileiro tem dificuldades em definir um mangá nacional?
Amaro- Talvez.
O “Desvendar” é tirar as vendas, aquilo que impede de ver o mangá
nacional além da visão de colecionador, otaku e fã. Quando gostamos
muito de algo, fica difícil percebê-lo de outra forma que não aquela que
nos agrada. Para os leitores é algo muito comum e pouco questionador
um “mangá nacional”. E é aí que se encontra o problema. Quadrinhos (como
outras expressões artísticas e midiáticas) não são meras formas de
entretenimento sem conseqüências para a sociedade. Ao contrário. Eles
são repositórios de usos e costumes de uma cultura, de valores sociais,
ideológicos e políticos. Mangá, Comic, BD, não são termos que traduzem
“História em Quadrinho” em Japonês, Inglês e Francês. Cada um destes
termos revela a cultura do país que o produz (hábitos, costumes,
alimentação, vestimentas, linguagem, etc). Um
Mangá Nacional mistura cultura brasileira com a japonesa ou só reproduz
uma cultura japonesa disfarçada de brasileira? Ou é cultura brasileira
disfarçada de brasileira? O que tem de “Nacional” no Mangá Nacional?
Lembrem-se que “Nacional” vêm de “Nação” (olha as aulas de geografia….).
A Nação é o conjunto de hábitos, costumes e valores de um povo,
organizado politicamente. Quando algo é “nacional”, você se reconhece
nele e o usa para se identificar. É assim com a música nacional, a
literatura nacional, o cinema nacional, a comida nacional, etc. Ser
nacional significa não ser estrangeiro. São coisas completamente
diferentes. Um exclui o outro. Um mangá Nacional (ou um comic nacional
como os quadrinhos de super-heróis brasileiros) coloca a definição de
nacional em contradição. E não se enganem. Não sou contra o Mangá
Nacional, apenas mostro que seu surgimento e desenvolvimento possuem
implicações muito maiores. Não é algo para se tratar com despretensão…
Mara-
Você concentrou seus esforços na análise de Holy Avenger, que é um dos
lançamentos brasileiros mais bem sucedidos. Sabendo disso, você acha que
os quadrinhos atuais (como os publicados na Ação Magazine e a Turma da
Mônica Jovem) apresentaram alguma evolução ou ainda mantém as mesmas
características de mimetização do mangá japonês de dez anos atrás?
Amaro- A
Turma da Mônica (Didi e Luluzinha, também) na minha avaliação, ainda
são quadrinhos miméticos ( que eu chamo nos meus estudos de “Moho-Mangá”
ou Mangá-Mimético, que são aqueles que reproduzem totalmente os
elementos do mangá original, temática e\ou esteticamente, e são
reconhecidos como nacionais apenas por serem feitos no Brasil ou por
Brasileiros (Considero que existe uma diferença enorme entre “Quadrinho
Brasileiro” e “quadrinho Nacional”, não considero os termos sinônimos!).
Sendo, portanto, copias dos mangás. E neste caso em particular, ações
meramente comerciais, vinculadas ao sucesso da estética mangá dos
últimos anos. Niseis e Nikkeis com estilo mangá trabalham para Maurício
de Souza há décadas, o surgimento da publicação é essencialmente, uma
decisão editorial-mercadológica visando aproveitar “a onda”. A Ação
Magazine já tem uma proposta diferenciada. Nos meus estudos eu chamo
este tipo de produção de “Kongo-Mangá” ou Mangá-Híbrido que se apropria
de determinados bens estéticos ou temáticos dos mangás, mas não
reproduzem totalmente seus esquemas estilísticos, resultando em produtos
híbridos. Há
uma tentativa de incorporar elementos “nacionais” dentro da estrutura
da produção. Apesar desta tentativa ser ainda pouco estruturada, ela é
autêntica. Eles têm capitaneada os quadrinhistas interessados em
desenvolver histórias com a estética do mangá, mas incorporando algum
diferencial. É este “diferencial” que pode levar a Revista a um local
mais sofisticado neste mundo dos mangás brasileiros. Mas eles estão só
com 3 edições (a nº 0, a 1 e a 2) ainda é cedo pra falar alguma coisa.
Tudo depende da proposta editorial se manter e do tipo de produção que
os quadrinhistas que alimentam a revista apresentam. E sabemos que
muitos fãs de anime e mangá querem mesmo é fazer um mangá mimético.
Igualzinho ao Japonês. Como isso fosse atestar a qualidade dos nossos
desenhistas e das nossas publicações. (infelizmente, é justamente o
contrário!!!)
Mara-
Turma da Mônica Jovem, segundo números apresentados pelo Maurício de
Sousa, um dos quadrinhos mais vendidos no mundo. Segundo a sua opinião,
que é muito mais relevante que a minha porque você estuda o assunto e
produz conhecimento, esse sucesso tem a ver com o formato mangá ou de
qualquer maneira essa versão adolescente da Mônica venderia horrores?
Amaro- São
dois fenômenos envolvidos: os fãs da Turma da Mônica e os fãs do Mangá.
Muitos destes jovens leitores de Mangá poderiam conhecer a Mônica, mas
não comprar as revistas nas bancas, já que se interessam pelos mangás –
que são muitas edições por mês. Não dá pra comprar tudo. Muitos se
dedicam aquilo que é “novo” e recente. Afinal, são os temas das
conversas e dos debates nos fóruns e na escola. Quem compra Mônica em
grande maioria são aqueles que não são fanáticos por quadrinhos: pais,
professores, escolas, que levam as Hq´s para seus filhos: crianças. Quanto
maior é idade, maior o interesse por outras publicações. Aliar os fãs
de um com os de outro, foi um jogada perfeita que permitiu multiplicar a
aquisição da revista no Brasil. Transformar a Mônica em adolescente,
não é à toa. Quem se interessa é justamente o público mais antigo (que
se tornou pré\adolescente). Afinal, para jovens leitores de até 14 anos,
Mônica adolescente, não significa muita coisa…. Já para os “jovens" de
até 30 anos, que leram Mônica na infância, é outra história. Acompanhei
muitos jovens adultos – principalmente mulheres – voltando às bancas
para acompanhar as novas histórias da Mônica. Mas já temos alguns
estudos acadêmicos sendo feito sobre isso. Na Federal do Espírito Santo,
a Luciana Zamprogne realiza um mestrado em sociologia exatamente sobre a
Mônica Jovem. em breve teremos respostas mais estruturadas sobre este
fenômeno.
Mara- O que você considera que falta nos mangás nacionais
de hoje para que eles deslanchem de vez no mercado? Melhores traços,
melhores histórias, comprometimento das editoras?
Amaro- Na
verdade eles já deslancharam. Entre 2000 e 2005 foi o grande boom dos
mangás nacionais, chagando a quase 50 publicações\ano diferentes. Depois
disso começa a despencar a cerca de 10 edições\ano (na maioria, do tipo
fanzines em banca). Também não considero que o fator “melhores traços”
seja importante. Não existe desenho bom. Existe aquele que você gosta. E
o mangá deixa isso bem evidente. As noções de perspectiva e anatomia
são completamente reinventadas nesta estética. O importante é produzir.
Histórias boas só existiram depois que surjam histórias medianas, que
por sua vez, só poderão advir com histórias simples. Sendo assim, o que é
preciso é haver um mercado de produções constante onde todos façam suas
histórias. Cada HQ que você faz, você vai melhorando em tudo, na
história, no desenho, na quadrinização. Tudo vai ficando melhor. Nossas
editoras têm investido bastante no mercado nacional, para fazer parte
dele é preciso produzir. Nenhuma editora vai investir em uma história,
que nem desenhada foi ainda… muitos ficam esperando uma oportunidade
para produzir suas história. O que é errado. É o próprio quadrinhista
que cria sua oportunidade quando produz. Muitos dos que hoje você
encontra nas livrarias foram convidados por editores depois que suas
produções chegaram até suas mãos, seja por edições independentes, seja
pelos concursos e salões de HQ no país. O
segredo é produzir, produzir muito! Quando comecei a ler a Holy Avenger
não tinha nenhuma pretensão. Cheguei inclusive a ser assinante da
revista, pois me tornei um fã. Foi o segredo pra realizar a pesquisa.
Comecei a trabalhar com algo que eu já tinha em casa e transformei meu
Hobby em profissão. Já conhecia a obra de traz pra frente, e isso ajudou
a chegar um problema de pesquisa válido para um estudo acadêmico. No
livro falo da importância de estudar quadrinho, a problemática do que
seria um “quadrinho Nacional”, sigo pelas características do mangá (o
que tem no mangá que faz dele um “mangá”? e não um comic ou uma BD) e
vou analisar a Holy Avenger e relacionar estas duas coisas. No fim,
acredito que o livro venha a ajudar os que têm interesse em desenvolver
uma pesquisa sobre quadrinhos de uma forma em geral, aproveitando sua
estrutura metodológica e também os que estão interessados em estudar a
problemática da identidade dos quadrinhos e suas representações sociais.
Além dos que se voltam para os estudos sobre a cultura pop japonesa.
Mara-
Estamos prestes a encerrar a entrevista. Aproveite esta penúltima
pergunta pra fazer seu merchã, surpreendendo o leitor que esperava uma
propaganda só na última pergunta.
Amaro- Ufa….
achava que não ia chegar a vez…. O livro é o único no mercado que se
dedica a analisar não o mangá publicado no Brasil, nem a situação dos
quadrinhos brasileiros, mas a interface entre estas duas coisas. Também
se destaca por desenvolver uma metodologia que junta análise estética e
análise sociológica. Essencialmente é uma pesquisa feita por alguém que
tem experiência de mercado com a produção de quadrinhos independentes
(veja aqui meus quadrinhos: http://axbraga.blogspot.com/p/minhas-publicacoes.html ), militância na área e ensino de quadrinhos. Tudo na medida certa.
Mara-
Amaro, obrigada pela entrevista e sucesso com o livro. Gostaria que
você deixasse uma dica para os leitores do blog que um dia sonham em
seguir uma carreira acadêmica estudando quadrinhos. E também pode mandar
mensagem para quem está no ensino médio ainda.
Amaro- Obrigado
Mara, foi divertido e um prazer. E estas duas palavras são a chave para
uma boa pesquisa acadêmica (também tem o rigor metodológico e a
profundidade teórica, mas são mais chatos e é bom que venham depois da
“diversão” e do “prazer”. estes vocês têm que ter, os outros dois, você
aprende. E é isso: aprendemos a fazer uma pesquisa acadêmica. você tem
que ser humilde, pois para ser acadêmica é necessário sempre estar
submisso à crítica dos pares, que vão ler o trabalho, criticar e
comentar e sempre é necessário levar estas críticas em consideração.
E você
não vai direto para a publicação. Deve ir submetendo os pedaços da
pesquisa (em formato de artigo) em congressos, seminários e encontros
acadêmicos. Nestes espaços você tem uma oportunidade de encontrar
pessoas de diferentes locais do país e com diferentes formações que
podem ver coisas que você não viu e questionar dados que passam
despercebido no seu trabalho, ciente disso, você pode enriquecer ainda
mais sua pesquisa. E não precisa está na universidade para isso
acontecer. Como eu falei, numa questão acima, meus questionamentos e
imersão nesta temática, começou quando eu ainda estava no ensino médio.
Vale a pena insistir em algo que você se interessa. A sociedade só tem a
ganhar com isso. Se quiserem mais dicas ou se tiverem idéias para sua
monografia ou uma pesquisa envolvendo quadrinhos: basta entrar em
contato:
http://axbraga.blogspot.com
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