[Banca de Mestrado] "Nos Trilhos da Memória: Usos e Abandono do Patrimônio da Antiga Rede Ferroviária Federal S.A. na Cidade de Rio Largo – AL"

 


Participei como Avaliador Interno da Banca de Dissertação de Mestrado em Antropologia Social na UFAL do trabalho: "Nos Trilhos da Memória: Usos e Abandono do Patrimônio da Antiga Rede Ferroviária Federal S.A. na Cidade de Rio Largo – AL" de  Liniker Santana Gomes. 

O trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. Rafael Rodrigues (PPGAS/UFAL) e contou com a participação da Profa. Dra. Sabrina Melo


Minha análise:

O trabalho parece bem estruturado e rico em detalhes. Investiga a relação entre memória coletiva e o patrimônio da antiga RFFSA na cidade de Rio Largo. 

O primeiro destaque é logo na introdução que foi construída de forma pessoal e envolvente. Liniker compartilha suas experiências de infância com ferrovias, o que demonstra um vínculo emocional com o tema. Isso é uma força do trabalho, pois mostra engajamento, independente da objetividade.

Logo em seguida vem o capítulo teórico-metodológico (Capítulo 1).  Ele fundamenta bem a escolha pela Antropologia em vez da História, citando conceitos como memória coletiva e patrimônio cultural. A metodologia qualitativa com entrevistas etnográficas parece adequada. Liniker entrevistou seis pessoas, sendo três principais (ex-ferroviários e um comerciante). A decisão de usar nomes reais é interessante, mas sem uma nota de rodapé apresentando o debate que esse esquema tem na Antropologia, pode ser mau interpretada. Sim, a Antropologia tem procurado destacar seus interlocutores, dando voz e visibilidade. Uma luta contra a invisibildiade que as pessos tem nos trabalhos. Problematizar a questão da invisibilidade e da vivificação da memória para quem não é de Antropologia, é importante.

No Capítulo 2, o contexto histórico de Rio Largo e da ferrovia é bem detalhado. Ele conta a história desde a Great Western até a RFFSA, mostrando como o declínio ferroviário impactou a cidade. As enchentes do Rio Mundau aparecem como fatores cruciais de deterioração do patrimônio. Aqui, o uso de imagens e tabelas enriquece a análise, mas eu senti falta de um croquis sobre Rio Largo.  Ainda acho que quem não conhece a cidade fica com dificuldade de localziar ela no tempo e espaço…. 

O Capítulo 3 é o coração da pesquisa, apresentando as narrativas dos interlocutores. As histórias do Sr. Bolinha e do Sr. Ernande são particularmente comoventes. Ernande, com sua coleção de ferromodelismo, ilustra perfeitamente como o patrimônio material e imaterial se entrelaçam. A análise das memórias à luz de teóricos como Halbwachs e Candau é sólida. Já o comerciante Edmilson traz uma perspectiva pragmática, equilibrando a nostalgia dos outros.

No Capítulo 4, a discussão sobre patrimônio cultural é bem alinhada com a Antropologia, citando Gonçalves e Choay. Porém, sinto falta de uma crítica mais profunda à atuação do IPHAN e à ausência de tombamento em Rio Largo. As fotos das estações degradadas reforçam o argumento do abandono, mas a análise poderia ser mais incisiva.

Pontos fortes: 

  1. Abordagem inovadora ao unir ferrovia, memória e antropologia . Aborda uma lacuna nos estudos sobre patrimônio industrial no Nordeste, articulando ferrovia, memória e urbanidade.
  2. Trabalho de campo rico com múltiplas vozes . Etnografia multisituada com diversidade de interlocutores (ex-operários, colecionador, comerciante), enriquecida por iconografia (fotos, mapas).
  3. Uso eficaz de imagens e documentos históricos.
  4. Fundamentação teórica consistente. pensar patrimônio como processo social dinâmico.
  5. Aplicabilidade: Subsídios concretos para políticas de preservação e turismo cultural (museu do trem).

Pontos fragilidade ou de aprimoramento futuro: 

  1. Liniker fala e escree como um poeta. Isso é estilo, estética e suigeneris. As pessoas tem esse direito de imprimir sua identidade ao texto... Mas, há algumas passagens que são muito herméticas e quase parnasianas… 
  2. Poderia problematizar a discussão entre Ferromodelimso e Patrimonio cultural.
  3. Análise limitada das políticas públicas de preservação .  Análise superficial do papel do IPHAN/DNIT na desvalorização do patrimônio ferroviário. O que desperta uma vontade de ampliação desses tópicos. 
  4. Pouca diversidade nos perfis dos entrevistados (predomínio masculino). Poderia problematizar o viés de Gênero: Perfil majoritariamente masculino dos interlocutores (4 homens, 2 mulheres), com pouca exploração de memórias femininas (Esses foram selecionados entre 22 pessoas, mas não há muitas infromações sobre esse estudo preliminar). 
  5. Inconsistências na transcrição de dados qualitativos: Trechos de entrevistas sem padronização (Falas muito grandes de uma pessoas e minúsculas de outra; ou expressões informais sem análise crítica).


No geral, é um trabalho de alta qualidade. A escrita é clara e a pesquisa, original. Recomendaria indicá-lo para prêmios regionais e publicação com pequenos ajustes, especialmente na discussão de políticas patrimoniais. O estudo não só contribui para a antropologia, mas também dá voz a memórias que poderiam ser esquecidas.

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