[Banca de Mestrado] "Sinais de Afeto em Contexto de Vozes Silenciadas: Mangá como Lugar de Subjetivação Surda"




Participei como Avaliador Externo da banca de avaliação da Dissertação "Sinais de Afeto em Contexto de Vozes Silenciadas: Mangá como Lugar de Subjetivação Surda" de THECIA KAROLINA SOUZA DE CARVALHO.

A dissertação foi realizada no Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE, orientada pelo Prof. Dr. Fábio Paiva. Participaram além de mim, os professores Ernani Ribeiro (PPGE/UFPE) e Ana Paula Abrahamim (UFRPE).



Minha Análise: 

A primeira coisa que se destaca são os nomes dos capítulos: "Volume I: Por Trás dos Traços, o Contorno", "Volume II: Por Trás dos Quadros, o Esboço" e "Volume III: Por Trás dos Balões, o Discurso", uma sacada genial que interage com o mangá a estrutura da pesquisa, apesar de que, acredito que o pessoal da bibliteca de catalogação não vai deixar esses títulos na versão de depósito. 

Thecia contextualiza a pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, destacando lacunas nos estudos sobre surdez articulada a artefatos culturais. Dialoga com os Estudos Culturais em Educação, pedagogias culturais (Ellsworth) e Estudos Surdos (Skliar), defendendo o mangá como "lugar de aprendizagem" que produz subjetividades. Aborda a história da educação de surdos, a cultura surda (Strobel) e a representação em quadrinhos (projeto HQs Sinalizadas).

Apresenta a metodologia pós-estruturalista, utilizando análise do discurso foucaultiana para examinar os mangás A Voz do Silêncio (Óima Yoshitoki) e Um Sinal de Afeto (Suu Morishita). Justifica a escolha pelas obras: a primeira, pela perspectiva do agressor ouvinte; a segunda, pela narrativa centrada na protagonista surda. Delimita o corpus ao primeiro volume de cada obra, priorizando a construção inicial das personagens.

E, por fim, analisa os processos de subjetivação das personagens surdas, considerando o contexto histórico-japonês (Okuyama; Nakamura). Em Um Sinal de Afeto, destaca a agência de Yuki frente a discursos ouvintistas, seu "cuidado de si" e a valorização da língua de sinais. Em A Voz do Silêncio, critica a patologização da surdez de Shouko, a culpabilização e a mediação da narrativa pelo olhar do opressor, embora reconheça a inserção da comunidade surda em volumes posteriores.

Pontos Fortes:

    1. Abordagem Inovadora: Articula Estudos Surdos, Estudos Culturais e análise de quadrinhos, preenchendo lacunas na pesquisa educacional brasileira.

    2. Rigor Teórico-Metodológico: Fundamentação sólida em Foucault, Hall e Ellsworth, com análise discursiva consistente das obras.

    3. Originalidade Estrutural: Divisão em "volumes" e "capítulos" inspirada na linguagem do mangá, reforçando a coerência entre forma e conteúdo.

    4. Relevância Social: Problematiza representações ouvintistas e destaca o potencial pedagógico dos mangás para ampliar debates sobre inclusão.

    5. Compromisso Ético: Valoriza a cultura surda e questiona hierarquias linguísticas, apoiando-se em autores como Skliar e Strobel.

Fragilidades e Sugestões de ampliação:

    1. Limitado Engajamento com Vozes Surdas: (não foi proposital, kkkk)

        ◦ Fragilidade: A análise prioriza teorias sobre surdez, mas não inclui perspectivas diretas de sujeitos surdos (ex.: entrevistas com leitores surdos dos mangás). Accredito que devido ao tempo e a possbilidade de ampliar isso para um doutorado, talvez. 

        ◦ Sugestão: Incluir metodologias participativas, como grupos focais com a comunidade surda, para enriquecer a interpretação das representações.

    2. Análise Restrita ao Primeiro Volume:

        ◦ Fragilidade: A delimitação ao volume inicial impede a avaliação de desenvolvimentos narrativos cruciais (ex.: evolução de Shouko em A Voz do Silêncio). Novamente, deve ter sido uma escolha de recorte para simplificar a análise e possibilitar sua execução. 

        ◦ Sugestão: Ampliar o corpus para arcos completos ou contrastar o primeiro volume com desfechos, destacando mudanças discursivas.

    3. Contextualização Cultural Superficial:

        ◦ Fragilidade: A comparação entre culturas surdas japonesa e brasileira é pouco explorada, limitando a discussão sobre particularidades locais. O que daria uma excelente capítulo de inferência hermenêutica. 

        ◦ Sugestão: Incluir análise de mangás brasileiros (ex.: obras de Ju Loyola, p. ex) para tensionar representações transnacionais.

    4. Ambivalência nas Conclusões:

        ◦ Fragilidade: A crítica à patologização em A Voz do Silêncio não é totalmente respaldada pela análise, que reconhece avanços (ex.: apoio da Federação Japonesa de Surdos).

        ◦ Sugestão: Apontar estratégias para equilibrar crítica e reconhecimento de rupturas, evitando dicotomias simplistas.

Avaliação Final e Potencial

Contribuição Teórica: Oferece um marco analítico pioneiro para estudos sobre pedagogias culturais e surdez, integrando campos tradicionalmente dissociados.

Rigor Acadêmico: Metodologia transparente, revisão bibliográfica abrangente e análise crítica densa, alinhada aos parâmetros da pós-graduação stricto sensu.

Relevância para Políticas Educacionais: Evidencia como artefatos midiáticos podem fomentar práticas antioppressivas, apoiando a implementação da educação bilíngue (Lei 14.191/2021).

Potenciais Desdobramentos: Sugere-se desdobrar a pesquisa em: Análise de recepção com leitores surdos; Estudos comparativos com outras mídias (ex.: cinema, webcomics); Propostas pedagógicas (Planos de aula) usando mangás em salas de aula inclusivas.

Conclusão: 

Trabalho excepcional que merece circulação nacional. Suas limitações são oportunidades para futuras pesquisas, não comprometendo seu valor como contribuição seminal aos Estudos Culturais e à Educação Inclusiva. Por isso, finalizo recomendando que a dissertação seja recomendada para publicação (em editais de fomento e indicação a prêmios nacionais (ex.: ANPEd, CAPES e no HQmix) .


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