[OPINIÃO] A boa criatividade precisa ter um bom lugar para trabalhar

 



A boa criatividade precisa ter um bom lugar para trabalhar.

Uma resenha crítica de Amaro X. Braga Jr.  

 

As indústrias criativas de jogos digitais têm tamanhos diversos e estão espalhadas por todo o planeta – embora haja o predomínio em alguns locais bem expressivos como nos EUA, no Japão, na China, na Coreia do Sul, na França e na Austrália. Apesar de se sustentarem em aparatos tecnológicos e interfaces eletrônicas que criam mundos de fantasia que alimentam as receitas milionárias que conseguem, estas empresas são feitas por pessoas. Em verdade, os jogos são um produto da vontade humana, onde softwares e hardwares são apenas ferramentas de materialização dos desejos e anseios travestidos de entretenimento.

São pessoas, também criativas, que alimentam o mercado e subsidiam a prestação de serviços. São dos designers, desenvolvedores e ilustradores (só para ficar nos três mais indispensáveis) que estas empresas precisam. Muitas companhias, inclusive, são formadas quando estas pessoas se juntam, mesmo que informalmente, para produzir um jogo de forma independente – indie, como chamam. 

Tanto o Mercado – no consumo, quanto a Indústria, na produção, vêm percebendo que é necessário desenvolver políticas de fidelização do público, mas também de sua mão-de-obra especializada. Quanto melhor a equipe, melhor o produto que fabricam e melhor será a recepção da mercadoria entre os consumidores. Não à toa, são estes os três pilares dos jogos digitais: a tecnologia, o mercado e a cultura.

Estas indústrias, como empresas, são preocupadas com todo as questões de mercado de capitais e seus sistemas de investimento e produção. Antes de qualquer coisa, todo o investimento precisa gerar receita e lucro. E as empresas criativas descobriram que as pessoas que produzem sua matéria principal precisam também ser estimuladas para que sua criatividade continue a gerar lucro.

Boa parte dos jogos pressupõe a disputa, o rankeamento e o estímulo do jogador pela insígnia da vitória ou da conquista. E parece que a empresas de jogos não fogem disso. O site de notícias, especializados na indústria criativa de jogos, The Games Industry.Biz (DRING, 2020) ao divulgar sua listagem dos melhores lugares para se trabalhar na indústria de videogames do Reino Unido (The Best Places To Work Awards), levou o mercado a perceber que estas empresas também precisam cuidar de seus funcionários. Apesar do que o senso comum apregoa, jogar e produzir jogos pode ser um trabalho tão estressante e desgastante quanto qualquer outro. O levantamento para a premiação do site considerou a opinião dos funcionários que foram entrevistados (cerca de 4000) e que também preencheram um questionário. É interessante notar que em mundo tão preso à tecnologia numérica dos códigos binários, a avaliação e mensuração destes aspectos de qualidade ficou à cargo de uma metodologia também binária: 75% da nota adveio de perguntas que eram feitas com respostas de “sim” ou “não” (MEET..., 2020).    

Estas empresas já concorrem entre si. Elas já disputam os melhores profissionais, com mentes e competências de destaque, oferecendo bons salários, financiamento e benfeitorias. Mas, andam descobrindo que só isso não basta. Ao que aprece, o ambiente de trabalho também deve também ser levado em conta na escolha do emprego em paralelo à sua liberdade criativa e um calendário preso às metas e percentuais nas vendas.

Um dos elementos interessantes é que este padrão de qualidade não é apenas para grandes empresas, mas também para as médias e as pequenas. O referido prêmio fez distinção dos tamanhos das empresas (em relação ao número de funcionários) mostrando que padrões de qualidade devem ser observados por qualquer empresa do setor.

Mas não se trata apenas de oferecer os melhores salários e benefícios. O grupo midiático também ofereceu prêmios especiais voltados para iniciativas que tratavam de outras temáticas, nem sempre relevantes neste setor, como: Educação, Saúde e Bem-estar, Responsabilidade Social Corporativa, Gestão de Crises e Diversidade (DRING, 2020). E assim como na premiação anterior, foram selecionadas empresas pequenas, médias e grandes. Novamente, mostrando que a responsabilidade social com o produto – e as pessoas que os consomem e os fabricam – é de todos.

Em um primeiro momento, parece salutar pontuar empresas preocupadas com o bem-estar físico e mental de seus funcionários (The Health and Wellbeing Award) ou que tenham feito ações de subsídio aos funcionários na Pandemia de 2020 (The Crisis Management Award) ou que tenha o melhor chefe (The UK's Best Boss). Mas as premiações foram mais amplas. Houve uma preocupação, por exemplo, em reconhecer e premiar aquelas que apoiaram instituições de caridade (The Corporate Social Responsibility Award) que por mais que saibamos que possa haver relações com a necessidade de obter um ISSO 26000 (International Organization for Standardization), por parte da empresa, não deixa de ser surpreendente.

O destaque ficou para dois prêmios que enfatizaram as empresas que possuíam uma política que investia na formação de uma força de trabalho tolerante com a diversidade de gênero e as ações afirmativas GLBTI+ (The Diversity Award) e àquelas outras que desenvolviam apoios para entidades educacionais (The Education Award).

 Ainda assim, estas premiações não são apenas benfeitorias sociais. A premiação/ pesquisa foi financiada pela empresa amiqus uma agência de recrutamento e seleção de mão de obra especializada em jogos sediada no mesmo país. Isso consolida a empresa em seu campo de atuação e sua mediação na captação de talentos que sempre são necessários neste mundo das empresas criativas de jogos. Da mesma forma, todas as premiações envolvem situações que social e legalmente, impactam os sistemas de contratação e até mesmo a redução dos impostos.

Na Indústria Criativa dos jogos tudo pode ser um meio de monetização do produto e melhoria da marca da empresa e de suas propriedades intelectuais. O valor agregado que inter-relaciona as pessoas que atuam na empresa, seus produtos e como a empresa é vista pela sociedade. 

Do mesmo modo, são justamente estes nichos de mercado que vem crescendo em demanda e investimento: jogos voltados para à diversidade (Cf. PERSICHETO, 2013; POWELL,2020) e para a educação com os chamados serious games (Cf. IRALA, 2018). Estas ações aproximam ainda mais a sociedade e seus consumidores das empresas e seus produtos. Reforça seu valor de mercado e a aderência de seus produtos ao nicho consumidor. Por isso que os “melhores lugares” não foram apenas listados, mas também entrevistados pelo portal. Que, ao que tudo indica, é referência na área de negócios com games. É o que se chama no jargão jornalístico de “mídia espontânea”. Ao ter sua empresa listada e uma entrevista anexada, é bem provável que investidores e desenvolvedores experientes vejam a empresa e seus líderes. Isso os aproxima e coloca a empresa em evidência – meio caminho para fechar novas parcerias e fidelizar colaboradores.

De qualquer forma, existe um benefício social amplo nestas ações. Funcionários e sociedade ganham ao terem uma melhoria no local de trabalho e nos produtos que vão consumir, respectivamente.

 

 Referências

 

DRING, Christopher. Here are the winners of the GamesIndustry.biz 2020 UK Best Places To Work Awards: The victors are revealed. Games Industry Biz. Seção Artigos. 18 set. 2020. Disponível em: https://www.gamesindustry.biz/articles/2020-09-18-here-are-the-winners-of-the-gamesindustry-biz-2020-uk-best-places-to-work-awards. Acessado em: 18 set. 2020.

IRALA, Juliana. Startups de educação crescem 20% ao ano – e confirmam força do setor. Desafios da Educação. EDTECH. 1 jun. 2018. Disponível em: https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/startups-de-educacao-futuro-promissor/. Acessado em: 18 set. 2020.

MEET the 2020 UK Best Places To Work Awards winners: We interview all 15 of our top-scoring companies on what it takes to be a great company in 2020. Games Industry Biz. Seção Overview. 18 set. 2020. Disponível em: https://www.gamesindustry.biz/best-places-to-work-2020. Acessado em: 18 set. 2020.

PERSICHETO, Renata. GaymerX: os grandes nomes dos videogames apoiando a diversidade sexual. TecnoBlog. 7 ago. 2013. Disponível em: https://tecnoblog.net/137141/gaymerx-2013/ . Acessado em: 18 set. 2020.

POWELL, Steffan. Diversity in gaming: Industry promises to improve. BBC News. Newsbeat. 4 fev. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/news/newsbeat-51364212. Acessado em: 18 set. 2020.

 

Este texto foi pensado como resenha para uma atividade desenvolvida no curso "Jogos Digitais e Suas Interfaces" em 19 de set. de 2020. 


Para referenciar este texto:

BRAGA JR, A. X. A boa criatividade precisa ter um bom lugar para trabalhar. 19 set. 2020. Blog do Prof. X. Disponível em: https://axbraga.blogspot.com/2020/10/opiniao-boa-criatividade-precisa-ter-um.html. Acessado em: [data]. 

 

 


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