[Ensaio] Da Essência do Ludo Faber

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Da Essência do Ludo Faber
Prof. Dr. Amaro X. Braga Jr
 | 19 de abril de 2018 | para o site LudoFaber

Nós somos muito espertos, você sabe. Somos tanto, que nos autoproclamamos 
de “homens sábios”, Homo Sapiens, no original. 
Um homem que pensa, e que ao pensar, domina o mundo e a natureza. 
Pensamos tanto, que deixamos de ser Homo Sapiens e hoje, 
o homem moderno é chamado de Homo Sapiens Sapiens. 
Algo como “o homem que sabe o que pensa”... alguns preferem outra tradução, 
invertendo os termos, mas não vamos entrar nesta seara…

Não demorou para que alguns destes homens (e mulheres) pensantes, 

ao pensarem sobre si próprios, descobrissem, que outros homens 
pensantes, não pensam. Eles agem. Eles trabalham. 

A necessidade de sobrevivência os empurra na labuta cotidiana, 
cujo esforço árduo, às vezes, os impede de pensar. 

Assim surgiu o Homo Faber, aquele que fabrica. Trabalha. 
O artífice que cria. 
Desde o período medieval se ouve falar neste Homo Faber. 

Mas, foi com os filósofos do século XX que ele ganhou notoriedade 
(particularmente, Hannah Arendt [2000] e Henri Bergson [2005]).
 

Esta breve história da humanidade não para aí. 
Descobrimos, que ao pensar e criar objetos, poderíamos 
nos divertir com eles. 

Jogar. 

E assim fomos criando sistemas sociais e práticas de conduta 
que são verdadeiros jogos de sobrevivência (guerras, sistema jurídico, 
namoro…). No fim, descobrimos que tudo aquilo que nos torna 
humanos perpassa a dimensão do jogo. 

Do brincar. Do se divertir ou ter prazer em estabelecer regras que 
conduzem as ações das pessoas em torno de uma grande disputa 
ou conflito onde um lado ganha e outro perde. 

É a nossa maneira de controlar o jogo da vida ou ainda, de 
diminuir a angústia de saber que viver é um jogo, no qual 
todos vamos perder. 

Estas percepções vieram de um outro filósofo chamado 
Johan Huizinga com um livro, obviamente intitulado, 
Homo Ludens. 

Nos tornamos os homens (e mulheres) que brincam. 

Que jogam. 
E o jogo passou a ser parte de quem somos, de nossa 
cultura e de nossa identidade. 

Mas isso foi em 1930! De lá pra cá, os jogos evoluíram…. 


Brincamos de segregar as pessoas. De invadir os países. 
De fazer política. Brincamos de Guerra, algumas quentes, 
e outras, frias. Brincamos muito e cansamos das brincadeiras. 
Como não podemos deixar de jogar o jogo, inventamos novos jogos. 
Menos danosos. 

Mais portáteis. Mais rápidos e convidativos. 
Fomos descobrindo que com pequenas variações nas regras 
e nos componentes dos jogos, teríamos um jogo novo. 
Um novo desafio. Começamos a fabricar nossos jogos e vendê-los! 

Chegamos numa nova era!
 

Descobrimos os Jogos Modernos!
 

Não. Nós não somos mais, simplesmente, seres que brincam. 
Nós fabricamos brinquedos. 
Nós nos divertimos e desafiamos a natureza na diversão. 

Moldamos a celulose e lhe imprimimos cores e formas ao construir 
tabuleiros, tiles e manuais; 
extraímos látex e o moldamos em miniaturas que tanto assume 
a nossa forma, quanto a de criaturas da nossa imaginação;
 lapidamos a madeira, atribuindo-lhe forma de tokens, 
dados, pinos e uma infinidade de peças. 

Chegamos tão longe, que tivemos a audácia de criar formas 
humanóides e chamá-las de “meu povo” ou “minha gente”, 
cuja versão original My People (Cf. WOODS, 2012), 
levou a corruptela, largamente utilizada nos dias atuais, 
por esses gamers, de “Meeples”. São pessoinhas de papel, 
madeira, plástico e acrílico que exercem ação e se movimentam 
sobre um tabuleiro, conforme a nossa necessidade e vontade. 

Somos deuses! Senhores de um mundo miniaturizado cujas 
regras nós mesmos criamos e os manipulamos ao nosso bel 
prazer e intuito racional-estratégico, e pelo qual, 
diversos outros seres, como nós, compartilham a mesa, 
as horas e a companhia em um eterno digladiar pela vitória, 
seja de um contra o outro, seja de todos contra o jogo. 

Nós jogamos. 
Nós fabricamos os Jogos. 

Não se trata apenas da quantidade de designers de jogos 
e de lançamentos. Trata-se dos jogadores. 
Eles também são criadores e fabricantes de jogos. 

Nós fabricamos a nossa diversão. Nós contestamos e 
mudamos as regras, mesmo quando estão escritas no manual
 (as famosas House Rules). 

Não somos mais apenas Sapiens, que pensam. 

Não somos mais Fabers, que produzem objetos. 

Somos uma nova espécie de humanos: pensadores que fabricam 
seus jogos e se divertem com eles! 

Somos um novo filo na cadeia evolutiva da humanidade: 
somos o Homo Sapiens Sapiens Faber Ludens, carinhosamente 
chamado de Ludo Faber. 

Estás pronto para a diversão?
Que os jogos comecem!


REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Perspectiva: São Paulo, 1999.
WOODS, Stewart. Eurogames: The Design, Culture and Play of Modern European 

Board Games. London: McFarland & Company, 2012.
 

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