[Prefacio] Quando a História é feita de estórias


O prof. Dr. Thiago Modenesi (UniFG-PE) lançou, recentemente, um e-book intitulado A FANTÁSTICA HISTÓRIA DOS QUADRINHOS ( ISBN: 978-65-990779-1-3) que enfoca a história do surgimento dos quadrinhos nos EUA por vias de suas tiras de jornais e sua distribuição.

Fiz o prefácio do material que teve uma campanha finalizada com sucesso no Catarse (https://www.catarse.me/fantasticahq). O livro saiu pela editora Quadriculando, cujo editor é o próprio Modenesi. 


Para adquirir o livro, entre em contato direto com o autor, pelo e-mail: thiagomodenesi@hotmail.com ou pelas redes sociais da editora (https://www.facebook.com/quadriculandoeditora/) 

Da campanha, segue a descrição:


Após 1 ano e meio de pesquisas, nasceu nosso e-book: A Fantástica História dos Quadrinhos: do surgimento aos syndicates - 1833 a 1967, resultado de uma revisão de literatura envolvendo livros nacionais e internacionais. O objetivo é apresentar aos leitores, de maneira sistemática, a origem das histórias em quadrinhos. Será aqui demonstrado sua relação com os jornais, com a publicação das tiras diárias e páginas dominicais, além da indústria de distribuição em escala global, por meio dos syndicates. O e-book possui quase 70 ilustrações coloridas de qualidade dos personagens das HQs pesquisados, 4 capítulos e 124 páginas.

 

Meu prefácio:

PREFÁCIO 

Quando a História é feita de estórias 

Qualquer acontecimento que circunde o cotidiano dos indivíduos pode ser enquadrado como pertencente à história das pessoas. Por muito tempo nossa língua portuguesa até nos impunha uma forma distinta de escrever esta história que acomete as pessoas e seus feitos, que narra a vida e suas importâncias, mas que não atinge as macroestruturas da sociedade e a humanidade: estória. Uma, situada para narrativas científicas, outra, para narrativas ficcionais. Com o tempo se percebeu que, às vezes, as pequenas histórias cotidianas de pessoas comuns também fazem parte da história universal. São os fatos catalizadores que desengatilham os acontecimentos. Estória e história deixaram de lado suas diferenças e se uniram para registar tudo que o tempo enverga: pessoas, objetos e fatos. 

Não à toa, chamamos essas narrativas ficcionais (ou não) impressas em superfícies desenhadas e encadernadas (ou não) de Histórias em Quadrinhos. A História, enquanto ciência, tem seus paradigmas, métodos e objetos. Ela tem suas vontades e desejos. Crises e surtos de identidade. E, por eles, sabemos de suas críticas e imperativos. 

Boa parte da historiografia, até para ter o que fazer, abandonou as buscas pelas origens, pelas primazias e pelos fatos. Acomodou-se nas celeumas pós-modernas, disputando com a sociologia, a antropologia, a filosofia e a ciência política os objetos de trabalho. Entretanto, parte dos historiadores ainda se encantam com a genealogia das coisas e ignoram, por completo, as críticas quanto a um pressuposto “fetiche de origens”. 

Ao que tudo indica, Modenesi tenta, como bom agente político de profissão, dialogar com estas vertentes. Até porque há ainda iniciativas que visam resgatar, condensar, simplificar e organizar todo um debate, discursos e dados para as novas gerações. Vivemos numa época onde nascem indivíduos de Geração Z e Alpha. São novas formas de comunicação, interação e objetivos. Nossos produtos precisam falar esta linguagem e se dirigem a estes indivíduos. Este trabalho, até pela divulgação como e-book, parece se propor a este fim. 

Modenesi oferece uma síntese de uma historiografia oficial estadunidense, bastante difundida nos manuais sobre a história das histórias em quadrinhos, incorporando uma ou outra nota de autores que se deslocam para a frente ou um pouco mais tarde na linha de cronologia histórica. A Linearidade evolutiva parece ser sua base metodológica para ir apresentando as visualidades destes autores e suas obras e pequenos aspectos descritivos de cicatrizes de nanquim e celulose. Particularmente, minha perspectiva teórica é um pouco distinta da de Modenesi no que se refere ao “surgimento” e ao americanismo a ele associado. Mesmo assim, mantemos um diálogo e uma parceria em diversos projetos (1). 

Como bom sociólogo, a história para mim é instrumento. Como bom antropólogo, genealogia é imperativa para atribuir sentido às coisas do mundo e perceber as dimensões valorativo-simbólicas que os indivíduos atribuem às suas ações e objetos. E, em ambos os casos, a memória é um meio de compreendermos quem são as pessoas e porque fazem o que fazem, ao passo que atribuem sentido aos seus atos e constroem narrativas para racionalizá-las, mesmo quando são inventadas (2). 

Modenesi, portanto, parece seguir as indicações dos jornalistas Dan Mazur e Alexander Danner (3) ao perceber que “resolver essa questão [da gênese das HQs] parece cada vez menos importante”, propondo uma visão geral de seu desenvolvimento “fantástico”. E não se enganem. Precisamos de trabalhos como este que resgatam e sintetizam a perspectiva de uma época. 

Modenesi, ainda assim, se detém em cada exemplo e esmiúça suas qualidades e inovações estéticas. Tenta mostrar como a pantomima gráfica fortemente impressa nas primeiras publicações foi se desenvolvendo até incorporar o texto enquanto diálogo interno à cena como seu recurso definitivo. Apesar de seu levantamento percorrer uma trajetória quase que exclusivamente focada nas produções estadunidenses, faz menções aos títulos que tiveram no Brasil ou seus momentos de circulação no nosso território. 

Para os que estudam as histórias em quadrinhos, o livro de Modenesi oferece uma introdução palatável para compreender rapidamente como se processou o desenvolvimento e a produção de uma fábrica criativa e comercial nos EUA durante o séc. XX. Dimensão necessária para perceber seu papel como agente que influenciou diversos outros ambientes de produção de quadrinhos, principalmente, o brasileiro. 

Prof. Dr. Amaro X. Braga Jr. 

Docente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

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1 Entre 2014 e 2020, organizamos 6 volumes da coletânea “Quadrinhos e Educação” e chegamos a escrever um artigo juntos sobre as potencialidades pedagógicas do Tenente Blueberry. 

2 O forte americanismo em torno do surgimento e da gênese da linguagem das histórias em quadrinhos, pode ser percebida como uma tradição inventada, aos moldes do que descreve o historiador inglês Eric Hobsbawn na introdução do livro “A Invenção das Tradições” (In: HOBSBAWM, E.; RANGER, T. (Org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 9-23). 

3 Refiro-me ao livro: Quadrinhos: História moderna de uma arte global. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p.7.


Para citar este texto:

BRAGA JR, A. X. Quando a História é feita de estórias. In MODENESI, T. A fantástica história dos quadrinhos: do surgimento aos syndicates – 1833 a 1967. Jaboatão dos Guararapes: Quadriculando, 2020, p. 15-17. [e-book]. Disponível em: https://axbraga.blogspot.com/2020/12/prefacio-quando-historia-e-feita-de.html Acessado em: [data]. 

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