[Crônica] "Eu vim sozinho, obrigado!".

Autorretrato. 22 dez. 2019. Exposição de Alphonse Mucha, no Centro Cultural FIESP. 

"Eu vim sozinho, obrigado!"

Sempre gostei de visitar museus e exposições de arte.
Sofria por não encontrar respaldo nos familiares mais próximos.
Eu era um menino de 12 anos que visitava exposições e museus sozinho.
Foram inúmeras as vezes que ouvi um "cadê seus pais?".
E respondia: "Eu vim sozinho, obrigado!"
e já tangenciava com receio de ser convidado a sair...
Nestas horas, recriminava a parentada pela ausência.
Afinal, não havia ninguém que me levasse...
Eu nunca fui levado.
Eu sempre fui!

Isso me levou a frequentar, por muito tempo, um ateliê coletivo na Rua da Aurora.
Vivia o deleite do fluxo de criação constante de inúmeros artistas.
Mesmo sem ter idade, comecei a frequentar os cursos.
Eu era tão insistente e tão inusitado meu interesse que fui adotado pelo coletivo.
Foram anos incríveis. Deliciosos. Literalmente, respirando arte.
Estudei com os grandes mestres da época... desenho, escultura, história da arte...

Daquela época, decidi que sempre levaria meus filhos e discutiria a expressão artística o mais cedo possível para que eles não tivessem o prejuízo que eu tive, neste campo.
Levei-os, desde de berço, em cada exposição de arte que ancorava na cidade.
Comentava cada quadro, linha, cor e forma.
Meu intuito era que se acostumassem a discutir a arte e alimentava-os com tudo aquilo que precisariam para, quando estivessem na época certa, discorrer sozinhos e contra-argumentar comigo sobre as visualidades que tanto me encantava.
Fui tão paciente...
Quase duas décadas depois, descobri que nada daquilo surtiu efeito.

Minha prole adolescente visitou à fórceps as últimas exposições.
Era visível o desconforto. O revirar dos olhos em cada explicação e comentário meu sobre um artista, escola ou tema das exposições que visitamos.
É incrível como um olho revirado pode ser tão perfurante...
e fazer toda a esperança escorrer...
Eu falava para o vento.
Sem plateia. Sem audiência. Sem diálogo.

Minhas explicações e cometários não alimentavam nem uma unica brasa de vivacidade em entender ou discutir a arte. Muito pelo contrário. Percebi, de forma muito triste, que minha prole é tão avessa à arte, quanto era minha parentela.

Continuo sendo a ovelha desgarrada que não se deixa tanger pelo cajado e cujo balido não tem uníssono. A ovelha que anda sozinha pela estranheza.
Continuo sendo o mesmo fantasma vagante nas exposições.
Sozinho...
Tão só, quanto naquelas visitas que me perguntavam "cadê seus pais?"
e eu respondia: "Eu vim sozinho, obrigado!".

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