[Prefácio] "Ô Josué! Crônicas da Fome"

 



Ocorreu no domingo, dia 8 de outubro de 2023, às 14h, na bienal do livro de Pernambuco, o lançamento de "Ô Josué! Crônicas da Fome" do coletivo Feirantes de Quadrinhos com vários quadrinhistas do Nordeste e cujo prefácio, tive a honra de fazer.

A obra ficou linda! Não deixem de conferir! A sociologia de Josué sob uma nova ótica...

Ao todo, são quatro histórias com roteiros de Bruno Alves, Eron Villar, Fábio Paiva e Thais Kisuki e desenhos de Adriano dos Anjos, Lua, Luciano Félix e Marcos Santana.

Reproduzo a seguir:

Josué e seus quadrinistas: fome de papel e nanquim, alimentando a Pernambucanidade! 


As histórias em quadrinhos (HQs) são objetos de entretenimento que despertam o prazer da leitura e da imaginação. Todo mundo sabe disso! O que talvez escape da percepção de uma parcela dos leitores é que as HQs e os quadrinistas são coisas socialmente importantes. Eles nos permitem olhar para a Sociedade em que vivemos e perceber muitas coisas na invisibilidade. Coisas que desejamos ou que rejeitamos. Mas, sem sombra de dúvida, coisas que são reais e circundam nossas vidas e nosso imaginário. 

Foram coisas como essas que Josué de Castro viu através de seu olhar investigativo aguçado e certeiro. Ele enxergava os efeitos da pobreza e da fome sobre a população. Com uma letra de romancista e a caneta de cientista, Josué nos fez ver a lama do mangue, o rastro do caranguejo e as veias secas do braço humano, cujo suor evapora nas gotas derramadas durante o labor diário e fatigante. 

Retomou uma paisagem inquieta, preocupante e desgostosa que sempre ocupou as mentes das Ciências Sociais, no Brasil afora. Josué nos contou histórias de Homens e de Caranguejos. Às vezes, de caranguejos-homens ou de homens-caranguejos, até hoje não sabemos ao certo. Depende do bairro e da altura de onde se esconde a Elite e se olha o transeunte. Foi encharcando os pés de lama e o beiço de sede, andando pelos mangues do Capibaribe, que fez o mundo ver como a Fome é mortal e avassaladora.  E o mundo todo o ouviu. Josué não representou apenas Pernambuco, mas o Brasil todo na ONU. Abriu sua boca e fez todos saberem o que é a FOME. E ela, pasmem, não é natural. Não nasce conosco. Não vem da natureza ou das intempéries. E nem de Deus. São os homens e as mulheres, frequentemente, ricos em demasia, que a provocam. Vem do sistema econômico que explora o corpo, a alma e os nutrientes das pessoas, relegando-as à miséria e à desnutrição. 

O combate contra fome em nosso país deve muito à obra desse pensador, não apenas pelo estudo do tema, mas pela influência que despertou em diversos outros profissionais que intentaram transformar sua realidade e resolver os problemas que nos afligem. 

E, ao que parece, esses quadrinistas e suas HQs, são mais alguns desses. A quadrinização, como elemento pedagógico, nos propicia justamente isso: o contato com um saber que pode mudar o mundo, pra melhor! Essas imagens desenhadas e narradas azeitam as palavras difíceis e permitem que o imaginário crítico aflore. Ler quadrinhos é tecer criticidade sobre o mundo que circunvizinha o leitor. Ler quadrinhos é ler o mundo. 

Esses quadrinistas permitem, a partir de suas HQs, que as pessoas vejam a obra de Josué. Josué, através de suas ideias e escritos, nos permite ver o Brasil e Pernambuco. Ao enxergar o recifense, o pernambucano e o nordestino, descrevendo-os, Josué e os seus quadrinistas, alimentam nossa fome identitária. Nos dão a sustância de saber quem somos e o que nos torna únicos em meio ao imenso manguezal de brasilidade.  Até hoje, entre os mais de trinta escritos e livros como “Geografia da Fome”, “A Geopolítica da Fome”, "Alimentação e Raça" e “Homens e Caranguejos” são materiais de referência para se entender o Brasil e o Nordeste. E neles, encontramos as raízes da nossa Pernambucanidade. E como um bom recifense, Josué dedicou vários de seus livros à nossa heroica cidade plantada à beira-mar. O que esses quadrinistas fazem hoje é só retribuir o favor. Sorvam com vontade e sem parcimônia! Afinal, o gosto é bom e alimenta a alma. 


Prof. Dr. Amaro X. Braga Jr. 

Recifense. Pernambucaníssimo e Sociólogo. Professor do Instituto de Ciências Sociais da UFAL. Pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa “Educação e Quadrinhos” do CE/UFPE. 



Para citar:

BRAGA JR, A. X. Josué e seus quadrinistas: fome de papel e nanquim, alimentando a Pernambucanidade! In Ô Josué! Crônicas da Fome. Recife: Villalux, 2023. p. 5-6. ISBN: 978-65-86513-06-6 [Prefácio]


Nenhum comentário